segunda-feira, 29 de outubro de 2012

"A escola hoje e os alunos que não aprendem"

O professor Roberto Leal Lobo e Silva Filho publicou na página "Tendências e debates" do jornal Folha de São Paulo (23/10/2012) um texto provocativo com o título acima. Reproduzo abaixo com alguns comentários meus.

A educação brasileira está em crise. Além da recorrente violência escolar - a imprensa noticia com frequência casos de alunos armados ou com drogas, além de agressões a professores -, pais e filhos parecem achar que a escola não pode contrariar os alunos ou exigir desempenho.
As próprias famílias não conseguem impor limites aos filhos - às vezes, nem os pais têm limites -, algo que se espraia à sala de aula.

Começamos concordando: a ausência de limites é bastante comum, tanto na escola como na família. No entanto... o verbo “impor” pode ser um dos obstáculos para a aprendizagem de limites pelas crianças e adolescentes. Este é um tema que merece aprofundamento em outro artigo...

Esse problema, que está se tornando quase epidêmico no Brasil, não é desconhecido em outros países.
Neste momento, vale lembrar um livro francês que nunca foi muito divulgado no Brasil. Para quem está preocupado com a situação das escolas, vale ler "A Escola dos Bárbaros", de Isabelle Stal e Françoise Thom, publicado no Brasil pela Edusp ainda em 1987, apontando um cenário que só se agravaria no Brasil nas décadas seguintes.
As autoras são duas professoras francesas que contam a degradação que viam surgir nas escolas daquele país já na década de 1980. Os problemas que elas enxergaram nunca soaram tão familiares.
Elas consideram que a falta de disciplina nas escolas reflete uma sociedade que "adota o prazer como o ideal, em todas as direções - para tal sociedade, o objetivo da civilização é se divertir sem limites".
Ou seja, a escola desistiu de conduzir os jovens à vida adulta.
Nesse sentido, as autoras acertam em cheio ao apontar a profusão de práticas extracurriculares, fáceis e sem conteúdo, que servem para matar o tempo do jovem, como um dos grandes problemas da escola de hoje em dia. Os pais brasileiros podem reconhecer com facilidade essa moda dominando também as nossas escolas.

“Práticas extracurriculares fáceis e sem conteúdo” precisam ser mesmo rejeitadas. Mas, cuidado: a generalização é perigosa. A escola não pode restringir sua atuação ao que é considerado “curricular”, pelo senso comum. As diretrizes curriculares para as diversas etapas da educação básica, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, indicam componentes curriculares comuns (para assegurar a unidade nacional) ao lado de outros voltados para a realidade regional e local (para considerar as diversidades em nosso país continental!) Conclusão: o próprio termo “extracurricular” é arcaico. Neste ponto, nós, professores e pedagogos, precisamos ainda aperfeiçoar muito nossas práticas docentes e de gestão.

(...)
Não se pode abandonar o ensino de conteúdo ou deixar que os alunos escolham o que querem aprender. É possível incluir todos os alunos na escola - isto é, democratizar o ensino, criando uma escola que atenda à massa - sem a atual catástrofe.

O parágrafo mostra, em minha opinião, uma contradição grave: concordo com a ideia final – “criando uma escola que atenda à massa sem a atual catástrofe” – mas acredito que isso somente pode ser alcançado se os alunos TAMBÉM escolherem o que querem aprender. E isso não significa “abandonar o ensino de conteúdo”. Pelo contrário: as aprendizagens de conceitos e procedimentos científicos, artísticos e filosóficos podem ser intensamente aprofundadas se o ensino incluir interesses e necessidades dos aprendizes. Essa também é uma tarefa que está exigindo de todos nós, educadores, uma evolução significativa.

Além dessas teses, as autoras criticam, com muita dureza, pedagogos, professores, administradores, sindicatos de professores e a nova geração de pais.
Os sindicatos, especialmente, estão mais preocupados em defender a mediocridade e o corporativismo. Eles apontam soluções simplistas para todos os males que afligem o ensino básico, como o aumento dos orçamentos ou ações tecnológicas nas escolas.
Isso sem falar nas ideologias que banalizam o ensino, como se o papel principal da escola não fosse tirar o aluno da ignorância.
O livro pode ser ácido e ter adjetivos em excesso. Pode até ser injusto com relação à importância de democratizar o acesso à educação, algo fundamental para diminuir as injustiças da sociedade.
Mas ele é preciso ao defender a destruição de alguns paradigmas tão em moda no Brasil, como:
- A qualidade inquestionável e universal do trabalho em grupo;

É verdade. Mas, mais uma vez, a generalização é perigosa. A humanidade cresce desde os tempos mais remotos porque aprendemos uns com os outros. Eliminar a cooperação grupal na aprendizagem das crianças e jovens é altamente prejudicial para eles e para a sociedade. Entretanto, é claro que práticas de trabalho em grupo que não estimulam o esforço e a dedicação individual não atendem a esse princípio e precisam ser questionadas mesmo.

- A "postura crítica" sobreposta à absorção de conhecimento;

Discordo! É como se “postura crítica” fosse oposta à “absorção de conhecimento”. Ambas podem ser totalmente compatíveis. E até complementares: como assumir postura crítica se não há conhecimento? O problema para nós, professores, consiste em organizar o processo de ensino de forma a integrar os dois movimentos de aprendizagem. Nesse ponto, ainda temos muito a melhorar, segundo penso.

- A frouxidão e a permissividade em vez de disciplina e cobrança;
- A prioridade das atividades "sociais" em vez do estudo persistente;

Aqui também discordo: “atividades sociais” e “estudo persistente” não se opõem. Ao contrário: podem ser intensamente integrados. Não se trata de “destruir paradigmas”, como pede o autor na frase acima. Penso que é o mesmo caso do meu comentário anterior: aperfeiçoar nossas práticas docentes para associar efetivamente as duas posturas. O “estudo persistente” pode fundamentar e direcionar as “atividades sociais” e estas, por sua vez, podem atualizar e aprofundar aquele.

- A valorização dos pesquisadores de banalidades;
- A ênfase nas metodologias em vez dos conteúdos.

Aqui, concordo com o autor: temos gasto muito tempo e energia nas discussões e decisões sobre metodologias de ensino em prejuízo das questões de aprendizagem de conhecimentos. Troquei propositadamente a palavra “conteúdos” por CONHECIMENTOS. A melhoria da qualidade educacional em nossas escolas depende, em grande parte, de mudanças nas práticas de gestão e docência que assumam as aprendizagens dos alunos como ponto central. Penso que esse é um aspecto essencial para alcançar um dos objetivos mais importantes do sistema educacional: associar eficazmente a inclusão escolar com a excelência acadêmica em todos os níveis da educação básica.

Vale a reflexão: quantas gerações de alunos serão prejudicadas até o estudo persistente e o conteúdo voltarem a ser valorizados?

Nenhum comentário:

Postar um comentário