segunda-feira, 19 de agosto de 2013

CIDADE EDUCADORA REPROVA? SIM, MAS...

Carta aberta ao amigo Cesar Callegari, secretário de Educação.

Prezado Cesar,
Creio que você vai lembrar-se de mim. Trabalhamos juntos na Secretaria de Educação do Estado de S. Paulo nos anos 1980. Desde então, acompanho sua brilhante trajetória e minha admiração por suas posturas e por seus projetos só fez aumentar. As gestões na Secretaria de Educação de Taboão da Serra e na Secretaria de Educação Básica do MEC confirmam, entre outras importantes contribuições para a educação brasileira, sua firme e serena adesão à ideia de Cidade Educadora.

O final do artigo publicado por você no dia 17 revela: “... São Paulo passe a ser, de fato, uma cidade educadora”. Ao concluir minha leitura, decidi enviar esta carta aberta. Tenho muitos pontos de concordância com seu projeto para educação municipal ao lado de algumas discordâncias. Em parte, já apresentei minhas posições no texto publicado neste blog no dia 01/08 passado.

Meu maior aplauso vai para a retomada dos três ciclos no ensino fundamental, com as respectivas palavras-chave: “alfabetização, interdisciplinar e autoral”. Quando vejo que essa mudança está associada a outras também muito importantes, fico mais confiante. Exemplos: acompanhamento do processo de aprendizagem dos alunos para identificar e superar as dificuldades tão logo comecem a aparecer, avaliações contínuas, divulgação de resultados para incentivar e apoiar as famílias no acompanhamento de seus filhos.

Já não fico tão entusiasmado com a volta da escala de 0 a 10. Parece-me que é uma concessão às pressões de alguns professores e de muitas pessoas das comunidades que acreditam na ilusória eficiência dessa escala sobre a de conceitos. Mas, se é necessário ceder nesse ponto para alcançar outras conquistas mais significativas...

Minha maior preocupação vai para a ampliação das séries com reprovação e para a instituição da dependência no terceiro ciclo.

Reprovação sempre existiu no sistema educacional, mesmo com a implantação dos ciclos no ensino fundamental. Você tem razão quanto ao fato de que a aprovação automática prejudica fortemente os alunos. Acredito firmemente na sua posição de que é necessário ensinar nossas crianças e jovens a trabalhar intensamente para aprender. E não permitir que avancem sem realmente dominar os conhecimentos correspondentes a cada ciclo.

No entanto, amigo Cesar, sabe qual é meu receio? Que a ampliação das séries com reprovação sirva apenas para “disciplinar” as crianças e “desculpar” as escolas e seus educadores pelo fracasso dos alunos reprovados. Nesse sentido, uma cidade educadora não pode reprovar. Nunca.

Mas, então, quando uma cidade educadora pode reprovar? Em minha visão, quando seus educadores (escolares e familiares) e a sociedade como um todo tenham cumprido efetivamente seu papel. No caso das escolas, tenham aplicado um conjunto eficiente de instrumentos para diagnosticar os entraves para a aprendizagem de TODOS os alunos e, em seguida, tenham posto em prática os mecanismos competentes de apoio pedagógico.

E mais: a cidade educadora pode reprovar se, alem disso, constituir em cada escola, mediante o trabalho coletivo de seus educadores, um conjunto de aprendizagens fundamentais para cada ciclo. O objetivo é nortear o trabalho de todos e ter um compromisso político-pedagógico concreto para cada estabelecimento diante de seus alunos e sua comunidade. Nem preciso lembrar a você que essa definição de aprendizagens fundamentais precisa levar em conta as diretrizes nacionais e municipais para os diferentes segmentos da educação básica, certo?

Por fim, secretário, permita-me manifestar meu total desacordo com um ponto: dependência para meninos e meninas de 12, 13, 14 anos! Desculpe, Cesar, mas essa medida não provou sua eficiência educacional nem no ensino superior! Torço para que as consultas públicas e as discussões para implantar o projeto resultem na eliminação desse aspecto.

Cumprimento você e sua equipe pela estratégia de convocar as audiências públicas antes de “fechar” as medidas. Esse é o caminho no qual nos dois acreditamos. Há muitas décadas.

Grande abraço,
Carlos Luiz

sábado, 17 de agosto de 2013

“Tempo livre” para professores?

A Folha de São Paulo publicou, num mesmo dia (13/08), duas notícias aparentemente desconectadas uma da outra. Em uma página, a manchete era: “Fora da lei, 11 capitais negam tempo livre a professores”. Em outra, “Técnicos vão assistir a aulas para sugerir mudanças na rede estadual”. Fiquei muito chocado com ambas... Especialmente porque não foi mostrada a profunda relação entre elas!

Resumidamente: a primeira reportagem informa que 12 das 27 capitais do país não cumprem determinações legais referentes ao exercício da docência. Uma capital (Macapá) não paga o piso salarial nacional e outras 11 (município de São Paulo é uma delas) desobedecem à regra de reservar 1/3 das horas semanais remuneradas para preparar aulas, corrigir tarefas dos alunos, fazer cursos, pesquisar materiais didáticos, tudo para oferecer um ensino planejado e competente. Sabemos que essa é uma característica fundamental de uma escola com qualidade educacional e equidade social.

O analista do jornal levanta uma questão e eu o acompanho: “Falta, porém, uma pesquisa sobre as outras 5.544 cidades dos pais...” A ausência desses dados, entretanto, não impede o meu pessimismo: provavelmente, as estatísticas apenas quantificarão a triste realidade conhecida e sentida por todos nós, educadores.

(Uma observação: o autor da manchete certamente desconhece a realidade do trabalho docente ao chamar de “tempo livre” as horas dedicadas à preparação de aulas!).

A outra notícia: a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo iniciou neste mês a execução de um projeto piloto: técnicos da secretaria vão se deslocar para as escolas estaduais, onde assistirão às aulas, participarão de reuniões, entrevistarão alunos, professores, pais, funcionários e diretores. Isso tudo em dois dias para cada estabelecimento. O objetivo, segundo a reportagem, é “sugerir mudanças nas práticas dos docentes”. As escolas selecionadas para o projeto piloto são 200, situadas na Grande São Paulo e com cerca de 100 mil alunos. A rede estadual tem quase 6.000 unidades e aproximadamente 4,5 milhões de alunos!

Ou seja: de um lado, fico sabendo que um piso salarial inegavelmente degradante – R$ 1.567,00 para 40 horas semanais ou aproximadamente R$ 8,00 por hora – não é respeitado em uma capital e, em quase metade das outras, os professores não conseguem ter o tempo mínimo legal para preparar suas aulas. Do outro lado, profissionais da secretaria ocuparão parte do seu horário de trabalho para assistir as aulas que não puderam ser preparadas e analisar o desempenho de professores que não têm possibilidades de atualização, pesquisa, etc!

Quero expressar minha revolta fazendo algumas perguntas (já que não tenho perfil para manifestá-la com a mesma violência escondida atrás desses números e de projetos desvinculados da realidade das escolas públicas):
1. Como melhorar os resultados educacionais brasileiros se os professores continuam sendo remunerados nesse nível aviltante? (Uma informação do analista da Folha: a média nacional de quem tem diploma universitário é de R$ 4.135,00! É o piso salarial dos professores multiplicado por mais de duas vezes e meia...).

2. Por que os dirigentes das secretarias não orientam os técnicos para produzir, executar e avaliar competentemente projetos voltados de fato para a melhoria das condições de estrutura e funcionamento das escolas públicas?

(No caso específico da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, as 91 diretorias regionais contam com supervisores de ensino cuja principal atribuição é exatamente acompanhar as escolas estaduais e orientar seus diretores, coordenadores e professores com o objetivo de aperfeiçoar os serviços educacionais. Não entendi a razão de enviar outros técnicos para conhecer mais profundamente a situação das unidades. Não tenho conhecimento total do “projeto piloto” e, portanto, essa crítica pode ser infundada).

3. Será que o suposto aprimoramento das práticas docentes (a notícia informa que os técnicos “... vão propor aos professores ações que ajudem alunos com dificuldades em português e matemática”.) é condição suficiente para obter resultados mais satisfatórios do sistema educacional? Ou, em outras palavras: será que os alunos receberão efetivos incentivos para seus processos de aprendizagem?

(Antes que alguém me acuse de descrente, devo ressaltar minha convicção de que observar aulas de professores é uma estratégia de gestão pedagógica altamente potente para a formação continuada dos mesmos. Convicção firmada também pelas extraordinárias experiências que vivi com colegas educadores. Entretanto, a adesão dos professores para receber outro educador em seu ambiente de trabalho é uma das exigências básicas para o sucesso da observação de aulas.)

Fico por aqui. O espaço acabou... Mas a angústia, a revolta e a decepção, não!

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Afastar diretores mal avaliados?

A acreditar nas recentes publicações nos veículos de comunicação, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo estaria criando um sistema de avaliação de desempenho dos diretores das escolas estaduais. Os que forem mal avaliados perderão o cargo. Não tenho detalhes da proposta e, portanto, não estou apto para analisar e emitir opinião qualificada.

Mas, vejo-me em plenas condições para fazer algumas perguntas:
O Secretário da educação também será avaliado? E os dirigentes dos órgãos centrais e regionais? E os supervisores de ensino? Caso o desempenho dessas autoridades superiores seja considerado insuficiente, serão igualmente demitidos?

E quanto aos educadores das escolas dirigidas pelos diretores - professores e funcionários - estarão incluídos nessa avaliação de desempenho? E demitidos, se os resultados forem insuficientes?

Se a proposta (insisto, não a conheço...) vier a penalizar uma parcela dos profissionais pelo insucesso e mazelas de todo o sistema será, no mínimo, uma clara demonstração de incompetência.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Ciclos: avanços e equívocos.

Notícia publicada pela Folha de São Paulo no dia 29/07 informa que a Secretaria Municipal de Educação divulgou proposta de mudanças no ensino fundamental.

Resumo da publicação: o objetivo central é alfabetizar todos os alunos até os oito anos de idade. Haverá três ciclos: 1º ao 3º ano; 4º ao 6º ano; 7º ao 9º ano. Em cada semestre, o aluno fará duas provas e as famílias receberão os resultados. As notas de zero a 10 vão voltar, substituindo os conceitos usados atualmente (plenamente satisfatório, satisfatório e não satisfatório). Poderá haver reprovação no ano final dos dois primeiros ciclos (3º e 6º ano) e nos três anos do terceiro, existindo ainda a possibilidade de dependência nessas séries finais.

O título do documento é “minuta para consulta pública”. Inicialmente, para estudo entre os educadores da rede. Posteriormente, acontecerá uma etapa para debates públicos. A implantação será a partir de 2014. Essa estratégia, em si, significa um importante progresso: a atual gestão municipal reconhece que as contribuições dos educadores da rede e da sociedade em geral precisam ser consideradas.

O avanço mais significativo é o retorno ao ensino fundamental com três ciclos. “Retorno” porque essa medida foi implantada pelo mestre Paulo Freire, na gestão Luiza Erundina, nos anos 1980. Governos posteriores encurtaram para os dois ciclos atuais, reduzindo a progressão continuada a uma mera promoção automática.

E por que os três ciclos no ensino fundamental são um avanço? Porque podem ajudar os educadores a respeitar as características de aprendizagem das diferentes etapas de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes. Em síntese:
1. O primeiro ciclo é prioritariamente encarregado dos processos de alfabetização em língua portuguesa, matemática, ciências, artes e movimento – fundamentais para uma escolarização de qualidade nas etapas seguintes.
2. O segundo, voltado para a passagem do ensino com professores polivalentes para professores especialistas – mudança de forte impacto na formação da estrutura cognitiva, afetiva e motora das crianças em transição para a adolescência.
3. E, finalmente, o terceiro ciclo, incumbido de aprofundar os conhecimentos nas diversas áreas – condição essencial para estimular o pleno desenvolvimento dos adolescentes. Esse é o objetivo central da educação básica, a ser completado no ensino médio.

A manutenção da possibilidade de reprovação nos anos finais de cada ciclo também é positiva, pois admite que é necessário um tempo escolar maior do que um ano para alcançar os objetivos de cada etapa.

Já a previsão de reprovação para o 7º e 8º ano significa um retrocesso, em minha avaliação. Que fundamentos sustentam a ideia de que meninas e meninos com 12 ou 13 anos terão algum benefício, se reprovados? Estou claramente do lado dos educadores que “... apontam que um repetente tende a ter desempenho pior para o restante da vida escolar.” Inúmeras pesquisas revelam a inutilidade da reprovação para “garantir” comportamentos disciplinados ou avanços de aprendizagens.

Considero também um perigoso equívoco a instituição da dependência nos anos do terceiro ciclo. Aqui cabe a mesma pergunta anterior: que fundamentos apóiam a noção de que alunos com 12 ou 13 anos poderão aproveitar efetivamente essa medida para a evolução de suas aprendizagens? E outra questão: as escolas municipais terão reais condições para implantar a dependência?

O retorno para as notas de zero a dez não chega a ser um equívoco ou retrocesso, em meu entendimento, mas é uma pena. A escala usada para registrar os resultados de avaliação é uma questão secundária, sendo muito mais importante a definição dos níveis de aprendizagem de cada índice. E a escala de zero a dez dificulta intensamente isso. Qual será, de fato, a diferença entre um aluno com nota 6 em uma prova e outro, com nota 5?

Por fim, um avanço considerado relevante por mim: as famílias terão acesso ao menos ao resultado das duas provas semestrais a serem realizadas obrigatoriamente em todas as séries. Sabemos o quanto a aproximação escola-família é benéfica para as crianças e adolescentes. E também, (por que não reafirmar?) para os educadores.

Vamos acompanhar para ver quais mudanças serão mesmo levadas adiante...