sábado, 17 de agosto de 2013

“Tempo livre” para professores?

A Folha de São Paulo publicou, num mesmo dia (13/08), duas notícias aparentemente desconectadas uma da outra. Em uma página, a manchete era: “Fora da lei, 11 capitais negam tempo livre a professores”. Em outra, “Técnicos vão assistir a aulas para sugerir mudanças na rede estadual”. Fiquei muito chocado com ambas... Especialmente porque não foi mostrada a profunda relação entre elas!

Resumidamente: a primeira reportagem informa que 12 das 27 capitais do país não cumprem determinações legais referentes ao exercício da docência. Uma capital (Macapá) não paga o piso salarial nacional e outras 11 (município de São Paulo é uma delas) desobedecem à regra de reservar 1/3 das horas semanais remuneradas para preparar aulas, corrigir tarefas dos alunos, fazer cursos, pesquisar materiais didáticos, tudo para oferecer um ensino planejado e competente. Sabemos que essa é uma característica fundamental de uma escola com qualidade educacional e equidade social.

O analista do jornal levanta uma questão e eu o acompanho: “Falta, porém, uma pesquisa sobre as outras 5.544 cidades dos pais...” A ausência desses dados, entretanto, não impede o meu pessimismo: provavelmente, as estatísticas apenas quantificarão a triste realidade conhecida e sentida por todos nós, educadores.

(Uma observação: o autor da manchete certamente desconhece a realidade do trabalho docente ao chamar de “tempo livre” as horas dedicadas à preparação de aulas!).

A outra notícia: a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo iniciou neste mês a execução de um projeto piloto: técnicos da secretaria vão se deslocar para as escolas estaduais, onde assistirão às aulas, participarão de reuniões, entrevistarão alunos, professores, pais, funcionários e diretores. Isso tudo em dois dias para cada estabelecimento. O objetivo, segundo a reportagem, é “sugerir mudanças nas práticas dos docentes”. As escolas selecionadas para o projeto piloto são 200, situadas na Grande São Paulo e com cerca de 100 mil alunos. A rede estadual tem quase 6.000 unidades e aproximadamente 4,5 milhões de alunos!

Ou seja: de um lado, fico sabendo que um piso salarial inegavelmente degradante – R$ 1.567,00 para 40 horas semanais ou aproximadamente R$ 8,00 por hora – não é respeitado em uma capital e, em quase metade das outras, os professores não conseguem ter o tempo mínimo legal para preparar suas aulas. Do outro lado, profissionais da secretaria ocuparão parte do seu horário de trabalho para assistir as aulas que não puderam ser preparadas e analisar o desempenho de professores que não têm possibilidades de atualização, pesquisa, etc!

Quero expressar minha revolta fazendo algumas perguntas (já que não tenho perfil para manifestá-la com a mesma violência escondida atrás desses números e de projetos desvinculados da realidade das escolas públicas):
1. Como melhorar os resultados educacionais brasileiros se os professores continuam sendo remunerados nesse nível aviltante? (Uma informação do analista da Folha: a média nacional de quem tem diploma universitário é de R$ 4.135,00! É o piso salarial dos professores multiplicado por mais de duas vezes e meia...).

2. Por que os dirigentes das secretarias não orientam os técnicos para produzir, executar e avaliar competentemente projetos voltados de fato para a melhoria das condições de estrutura e funcionamento das escolas públicas?

(No caso específico da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, as 91 diretorias regionais contam com supervisores de ensino cuja principal atribuição é exatamente acompanhar as escolas estaduais e orientar seus diretores, coordenadores e professores com o objetivo de aperfeiçoar os serviços educacionais. Não entendi a razão de enviar outros técnicos para conhecer mais profundamente a situação das unidades. Não tenho conhecimento total do “projeto piloto” e, portanto, essa crítica pode ser infundada).

3. Será que o suposto aprimoramento das práticas docentes (a notícia informa que os técnicos “... vão propor aos professores ações que ajudem alunos com dificuldades em português e matemática”.) é condição suficiente para obter resultados mais satisfatórios do sistema educacional? Ou, em outras palavras: será que os alunos receberão efetivos incentivos para seus processos de aprendizagem?

(Antes que alguém me acuse de descrente, devo ressaltar minha convicção de que observar aulas de professores é uma estratégia de gestão pedagógica altamente potente para a formação continuada dos mesmos. Convicção firmada também pelas extraordinárias experiências que vivi com colegas educadores. Entretanto, a adesão dos professores para receber outro educador em seu ambiente de trabalho é uma das exigências básicas para o sucesso da observação de aulas.)

Fico por aqui. O espaço acabou... Mas a angústia, a revolta e a decepção, não!

2 comentários:

  1. Parabéns. Muito boa sua matéria. Realmente, ninguém pergunta em que tempo o professor(a) planeja aulas, estuda, corrige provas ou assiste palestras. Pensam que não possui vida social ou família...

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  2. Realmente, Angelica, é isso que acontece normalmente. E ainda mais: cobranças de qualidade de nosso desempenho são feitas muitas vezes como se essas atividades preparatórias e de formação fossem nossa obrigação exclusiva. Muitos dirigentes das instituições públicas ou particulares fazem de conta que as escolas não têm nenhuma vantagem quando nosso desempenho melhora a qualidade educacional dos estabelecimentos! Concorda comigo?

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